29
Sep 08

Brasília utópica

Rogério Camara, Brasília, setembro de 2008

Encontra-se na praça central do Conjunto Cultural da República em Brasília o texto “Utopia da Modernidade” Este em letras moldadas em madeira com tamanho e inclinação que permite confortável leitura a partir de um carro que deslize sob o eixo monumental ou, quem sabe, de um avião cuja sombra cobre com precisão a cidade.

Sempre se falou de Brasília como uma cidade utópica, utópica por se pensar construir o presente com cabeça num futuro ideal. Um mundo pensado, imaginado ainda sem um dado de vivência. Com lucidez Clarice Lispector traduziu a cidade no ano de sua inauguração em 1960: “Brasília é construída na linha do horizonte. Brasília é artificial. Tão artificial como devia ter sido o mundo quando foi criado. Quando o mundo foi criado, foi preciso criar um homem especialmente para aquele mundo. Nós somos todos deformados pela adaptação à liberdade de Deus. Não sabemos como seríamos se tivéssemos sido criados em primeiro lugar e depois o mundo deformado às nossas necessidades. Brasília ainda não tem o homem de Brasília.(…) Os dois arquitetos não pensaram em construir beleza, seria fácil: eles ergueram o espanto inexplicado. A criação não é uma compreensão, é um novo mistério.”

Lucio Costa comenta que a idéia “surgiu quase que pronta” de um risco simples em movimento cruzado que marca um local e quer fazer dele um lugar: “Nasceu de um gesto primário de quem funda um lugar ou dele toma posse: dois eixos cruzando-se em ângulo reto, ou seja, o próprio sinal da cruz”.

A absoluta simplificação: o sinal da cruz, o símbolo absoluto. O eixo vertical e horizontal, que simbolicamente expressam o eixo do poder e o da vida.

Conquista-se neste gesto a simplificação dos fluxos com apenas um único entroncamento. Uma cidade geométrica, que elimina as ruas e as calçadas. Privilegia-se o carro, que se movimenta sob leis e traçados rigorosos, esquivando-se dos movimentos adversos e imprevisíveis dos pedestres.Uma cidade apreensível pelo todo, sem barreiras. São poucos os dados a processar, não é preciso muita memória. Funcional – deslocamentos regulares: trabalho, casa, laser.

Brasília é uma imagem, um símbolo, um logotipo. Foi pousada num planalto, longe de qualquer civilização. Totalmente arejada, sem nenhum vestígio de outra cidade, nenhuma montanha, nenhuma mancha à volta. Empoleirada “na linha horizonte” envolvida somente pelo céu – uma cidade totalmente espiritual. O nada e todas as cores.

Elimina a presença de linhas verticais, nivelando a prumada dos prédios. A vastidão sem referência de profundidade, pode-se bater no céu ou nunca alcançá-lo. Salientes, apenas os prédios públicos, inscritos no espaço como caligramas por Oscar Niemeyer.

Lucio Costa arqueia o eixo horizontal, o das residências e dos serviços, “a fim de contê-lo no triângulo que define a área urbanizada”.Os arquitetos arquitetam e exercem sobre o papel. Idealizam uma constelação perfeita, com os movimentos deduzidos à lei. Cada unidade em sua órbita dimensionada em toda extensão de suas funções. Como em Um Lance de Dados de Mallarmé, as áreas arejadas, os brancos que, segundo ele, “assumem importância, (…) a versificação os exigiu, como silêncio em derredor (…) não transgrido essa medida, tão-somente a disperso”. Todas as unidades prismam-se “nalguma cenografia espiritual exata”. Entretanto, a intenção dos arquitetos de positivação, de definitividade dos espaços da cidade diferencia-se do poema de Mallarmé. Um Lance de dados não se fecha numa logotipia. O mundo verbal é naturalmente ambíguo, plural, fenomenológico e, além disso, o poema de Mallarmé é uma forma aberta que contém uma pluralidade de leituras.Ele foi concebido estereograficamente, onde figuras radiantes podem ser vistas como orifícios rompendo o limite do espaço. Espaços de reversibilidades, interjeições, negações, a ausência da idéia. No projeto de Brasília traça-se o ideal, em planta baixa, de uma cidade sem vão, sem ocos, sem buracos. Todo espaço deve estar destinado, funcionalizado, sem usos estranhos. Os arquitetos imaginavam que pudessem retirar do mundo, da cidade, das pessoas tudo aquilo que fosse inominável, imperfeito – feio. Se possível fosse, chegar-se-ia assim ao ‘não lugar’ com todas as distinções e nenhuma distinção entre a cidade e uma sala de aeroporto. Se possível fosse, pois o ‘ideal Brasília’ inevitavelmente esbarra na polifonia da existência. Nem o poeta, nem o arquiteto têm a palavra final. Ao projeto se designa a ordem, ao uso o caos.


29
Sep 08

De volta ao Maraca

Este fim de semana retornei ao Maracanã depois de mais de 25 anos para assistir a vitória do Flamengo sobre o Sport Recife. Situação em que fui tomado por sentimento nostálgico, pois fui assíduo freqüentador do estádio em minha adolescência, prática que a preguiça e a mudança de interesses me fizeram abandonar. Neste período o estádio foi reformado, em tentativa de adequá-lo às normas de segurança (João Havelange teria sugerido que o implodisse). O estádio, que foi construído para receber 150 mil pessoas, reduziu sua capacidade para 80. A arquibancada foi subdividida em setores e ganhou cadeiras cujas cores permitem a identificação das áreas com preços variáveis e, a geral foi eliminada. Quando não havia cadeiras sentava-se em degraus de cimento e, a concentração de pessoas começava em frente ao meio do campo e ia se espalhando para as laterais até chegar no fundo do gol. Era um espaço liso, com áreas definidas pelas torcidas e suas diversas facções. No caso de brigas entre as torcidas, algo que era freqüente, abria-se rapidamente um grande vão graças a.facilidade de deslocamento, o que, obviamente, favorecia tanto a fuga como o conflito.
A nova configuração estanca o movimento e o ímpeto das pessoas. Mas não foi só isso que deixou o povo mais manso. O futebol é hoje um espetáculo televisivo. Os jogadores comemoram o gol correndo em direção à câmera e não à sua torcida. Do mesmo modo os torcedores se comunicam com a telinha e temem serem flagrados. Isso levou aos jogos no Maracanã mais mulheres e famílias.
Por sua vez, a organização do estádio não poderia deixar de faturar com a necessidade das pessoas de tornar publica a sua intimidade. No telão do estádio são veiculadas diversas mensagens de amor envidas pelos celulares presentes, assim como autofotos no local. Não se fala sobre futebol, isso só em mensagens ao Galvão Bueno.
Do lado de fora a bagunça de sempre, mas o metrô facilita muito a chegada ao estádio. O melhor de tudo são os camelôs. É verdade que eles ocupam as calçadas privatizando o espaço público e pereré pão duro, mas eles têm sempre a mão o necessário à ocasião. A coisa certa, na hora certa, não importa como o Universo conspira. Desprevenido que eu estava da chuva pude comprar por cinco reais uma capa embalada num pacote menor que uma carteira.


27
Sep 08

A Biblioteca Nacional em Brasília

Rogerio Camara, Brasília, setembro de 2008


Integra o novo Conjunto Cultural da República, recentemente construído no Eixo Monumental em Brasília, uma Biblioteca intitulada Nacional. Sobre a possível constituição de seu acervo já se especulou muitas coisas, inclusive a transferência integral do acervo da velha Biblioteca Nacional do Rio.A naturalidade da ação derivaria do fato do Rio não ser mais capital, portanto uma Biblioteca Nacional não caberia por essas terras. Algo que pode parecer lógico para uma trupe que nos impõe a construção de um prédio público sem função e destino. A transferência do acervo obviamente não decolou.

O conjunto, que além da Biblioteca conta com um Museu também Nacional, foi viabilizado no governo Roriz sob o pretexto de concluir a construção da cidade. Como se uma cidade pudesse ser concluída antes de sua morte. Brasília seria então nascida do desejo de um presidente, criada pelo ímpeto de um arquiteto e finalizada pelo desvario de um governador. Pressupõe-se que seus habitantes nada têm a dizer e não se inscrevem naquela cidade.

Tive oportunidade de conhecer a Biblioteca no início deste mês quando convidado a participar da exposição OBRANOME II no Museu Nacional, que compõe o mesmo núcleo cultural.

Fui até a Biblioteca para ver uma exposição com poemas de Reynaldo Jardim integrante da Iª Bienal Internacional de Poesia de Brasília. A exposição ocorria no 3º andar o único com algum evento (somente a exposição) e pessoas (alunos de escola pública, imputados a preencher eventos culturais, que passeavam no elevador). Os outros andares (são quatro) estavam totalmente vazios. Um funcionário na portaria justificou dizendo que o prédio “ainda não pegou” (??!!). Discute-se agora a possibilidade da Biblioteca se constituir como virtual. Que bom, poderemos ficar em casa ou além.


27
Sep 08

OBRANOME II

Exposição OBRANOME II, Rogerio Camara, setembro de 2008


Termina neste fim de semana em Brasília (dia 28 de setembro) a exposição de poesia visual OBRANOME II idealizada por Wagner Barja. A exposição é um desdobramento da exposição OBRANOME ocorrida em 2003 na Caixa Cultural de Brasília. Já esta segunda edição integra a I Bienal Internacional de Poesia de Brasília que ocorreu entre 3 e 7 de setembro também em Brasília e que homenageou o poeta visual e gráfico Wlademir Dias-Pino.

Em OBRANOME Barja nos propõe uma espécie de coletivo que agrega poetas, artistas, críticos, jornalistas, músicos, designers, etc. Tive a felicidade de participar desta segunda edição com um texto sobre o evento e integrando um debate que contou com todos os artistas. A exposição é imperdível e acontece no Museu Nacional do Conjunto Cultural da República de 9h00 às 18h30.