31
Jan 08

Caligrafia e grafologia

Método de Caligrafia, Antônio Franco

Grafologia Prática, Eric Singer

Comentei no post anterior que a escrita ocidental, rumo à transparência e à eficiência da leitura, caracterizou-se por buscar a regularidade e a despersonalização do traço. Estas imagens extraídas da revista Tupigrafia nº 4 (2004) demonstram como isto se impunha, mesmo quando se objetivava identificar a individualidade através do traço.

O primeiro bloco de imagens reproduz as páginas do livro Método de Caligrafia de Antônio de Franco (anos 20). Nele são apresentados os aparelhos para se chegar à elaboração perfeita da caligrafia para fins comerciais. Regula-se a postura e o gesto para se conquistar uma grafia de padrão universal.

O segundo bloco reproduz partes do livro Grafologia Prática de Eric Singer impresso nos anos 50. Verifica-se que em tempos mais recentes desenvolveu-se um estudo da grafologia voltado à identificação das particularidades do indivíduo. Nas páginas do livro de Singer expõe-se paralelamente a letra “anômala” e o desenho ilustrando a personalidade que a caligrafia revela. Os desenhos mantêm os mesmos traços sintéticos, finos e cortantes das letras. Há a aproximação da configuração do desenho ao da letra para que a associação seja mais direta. Naquele período, segundo a revista Tupigrafia, os principais usuários destes guias eram empresas interessadas na identificação da personalidade de um candidato ao emprego e, orgãos policiais que faziam uso de exames grafológicos para mapear perfis de indivíduos suspeitos. Deduz-se que a grafologia estaria a serviço das instituições para se prescrever o caráter adequado ao bom funcionamento da ordem e do progresso.

Hoje, a grafologia se soma às varias ciências de auxílio ao indivíduo na identificação de suas fragilidades e incertezas. Após a consulta dá-se a receita do sucesso, o que implica na adequação da assinatura e do gesto. Fala-se muito em individualidades, mas estas não podem escapar ao comum e ao desejável.


28
Jan 08

Da caligrafia: ocidente/oriente

Rogério Camara, 2002

A invenção da imprensa não faria desaparecer a caligrafia. Ao contrário, a imprensa favoreceria o aprendizado da escrita e da leitura. O homem letrado deveria apresentar uma caligrafia de traços firmes e elegantes. Isto é causa já discutida. Mas, pelo que sugere a imagem acima, a necessidade da bela escrita não foi abandonada no mundo das imagens calculadas. Aproveito a deixa, não para justificar o proposto no lambe-lambe (que concorra ao curso quem quiser), extraído nas ruas de Vitória-ES, mas para divagar sobre o caráter visual de nossa escrita face ao oriente.

A escrita alfabética por suas características solicita a manutenção da linha durante uma seqüência de gestos até corporificar a palavra. A permanência do contato da pena sobre o papel força a estreita proximidade entre a mão, o instrumento e o suporte. Apóia-se sobre o papel. Cola-se o olho no trilho. A atenção ao espaço gráfico cede à concentração dedicada ao curso da linha. Temporalização.

No Oriente manteve-se, desde os primórdios, o uso do pincel e de outros instrumentos naturais de escrita. O calígrafo oriental, aos modos da pintura, busca a plasticidade mais pura e a relação espacial dos elementos e, diferente da pintura, a marca de cada gesto é definitiva e não pode ser velada. O domínio do pincel inicia-se no aprendizado da escrita, antes do seu uso na pintura. Os movimentos dos traços são entrecruzados e não contínuos. Na escrita oriental, cada ideograma evidencia-se como uma totalidade relativa, figurando-se no espaço. Com isso, no Oriente a caligrafia ultrapassa os limites da escrita, pois liberta o signo do sentido preciso do contexto verbal, tornando-o impreciso, equívoco, plástico. Ao final aprecia-se a composição dos elementos e as ocorrências de casualidades. Espacialização e configuração.

No Ocidente abandonou-se o pincel e outras ferramentas primárias à procura de instrumentos que possibilitassem traços mais precisos e padronizados, favorecendo a legibilidade. Os modelos que inspiram o manuscrito são as gravações em pedras. O estilete, o estilo. A rigidez do cálamo e da pena convém à formação do caractere retilíneo e esquemático. O talhe da pena é determinante na conquista do valor construtivo e consciente do desenho.


23
Jan 08

E logo a Vale!

Embora já amplamente discutida a questão da nova marca da Vale gostaria de tecer algumas observações a respeito. Muito se falou sobre a grande semelhança gráfica entre os símbolos da Viteli (uma fábrica de calçados do interior de São Paulo) e da Vale (uma gigantesca empresa de mineração). Notou-se também a coincidência ente as cores do Banco Real e da nova marca da Vale, projetos estes, aliás, desenvolvidos pelo mesmo escritório. Plágio? Agentes da Viteli ameaçam processar a Vale alegando justamente isso. Intenção que, penso eu, eles não levarão adiante. Apenas aproveitam a grande oportunidade de se veicularem na mídia, fato que até então estava fora do alcance da marca. Com isso, temos a oportunidade de assistir defesas constrangidas dos representantes da Vale e, nos divertir com elas.

Mas não se trata de plágio, acredito que os idealizadores da identidade visual da Vale nem conhecessem a marca da Viteli e nem mesmo estão obrigados a isso. O problema é outro.

Hoje a concepção do símbolo de uma empresa não procura necessariamente relacionar-se ao objeto ou ao seu produto. Não se trata mais de dizer o produto, mas fazer o símbolo fluir no universo do consumidor. Para tanto, define-se a marca a partir de um discurso que deve ganhar poder de convencimento através da mídia. Até ai tudo bem! O problema é que não se particulariza os discursos. Eles não são nem mesmo problematizados, adota-se o que já está pautado pela própria mídia. Ela já nos diz como pensar ou o que dizer. Vide os manuais de procedimentos e/ou auto-ajuda que assolam as livrarias. A pretexto de auxilio à vida tudo é sintetizado a dez mandamentos e a sete pecados. E, proceda!

Voltemos ao caso da Vale. O caráter gráfico de sua antiga marca respondia ao que ela produzia e vendia. Houve um tempo em que empresas como a Vale orgulhavam-se de sua atividade e seu porte. Indústrias eram elementos centrais nas cidades e, se fosse possível, postavam-se ao lado da catedral. Hoje as cidades fundam-se nos serviços. Deste modo as indústrias devem desaparecer dos grandes centros e fazer-se aparecer pelos serviços que presta a comunidade através de ações tidas como “politicamente corretas”. O que, pelo discurso em pauta, implica no caráter ecológico e na tutela da cultura. Daí então o novo símbolo da mineradora: a redução do nome pela inicial contendo o verde vale. A mineradora representa em seu símbolo aquilo que ela devora, caso irônico de forma-conteúdo.

A marca, pelos novos preceitos, não deve revelar a atividade produtiva das empresas, sua real ação sobre o mundo. A função das imagens produzidas hoje é velar o acesso direto ao mundo e nos induzir, sem crítica, a consumir um discurso publicitário. Na verdade não se opera por imagens, elas até nos faltam, mas por clichês. O indubitável discurso é que faz com que uma mineradora tenha a mesma face gráfica de uma fábrica de sapatos e as cores de um banco. Vale rever!


17
Jan 08

sosreversos

Fragmentos de Sosreversos, Rogério Camara ,1996

Rever, Augusto de Campos,1970

Comecemos por falar do título deste blog.

Quando iniciei minhas pesquisas sobre a poesia visual brasileira em 1996, realizei alguns poemas gráficos muito influenciados pela poesia concreta. Pude publicá-los em 1997 em livro de minha autoria intitulado Tipográficos com impressão serigráfica e edição limitada.

O poema Sósreversos, que integra este livro, é uma releitura do poema Rever de Augusto de Campos publicado originalmente no livro Equivocábulos (1970) em folha solta de acetato transparente. Uma única palavra que se espelha.

Sósreversos segue o mesmo princípio de espelhamento. No entanto, o núcleo de letras da palavra-título desdobra-se por doze pranchas quadradas formando outras palavras e frases (só o/eve/os reversos/só rever/sósreversos/o reverso…) e estas aparecem relacionadas a um determinado símbolo (de homem, mulher, relação, gestação, etc.). Veja os exemplos acima.