23
May 09

Cartografia V – Transsibérien

transssiberienBlaise Cendrars e Sonia Delaunay, 1913

Em 1913 Blaise Cendrars publicou “La prose du Transsibérien et de la petite Jehanne de France”, que ficou também conhecido como “Le premier livre simultané”. Transsibérien se refere à estrada de ferro inaugurada em 1905 ligando a Rússia Ocidental ao Pacífico e, de certo modo, alude a todas as estradas que estavam sendo construídas pelo mundo estreitando os espaços, permitindo viajar em velocidade “meteórica”.

A obra é impressa numa única folha de papel de mais de dois metros dobrável. A reunião de todos os 150 exemplares atingiria a altura da Torre Eiffel. O trabalho teve a colaboração da pintora Sonia Delaunay, o que foi assim creditado – “cores simultâneas de Mme Delaunay-Terk”. Um conjunto de massas de cores puras, saturadas, intensas como a vida na era da eletricidade. Vibrações, dinamismos, distorções do espaço e do tempo. Um poema de viagem, mas que desfoca o trajeto, costurando outros tempos e espaços.

Simultâneos, também, a cor e o texto – verbovisual. A lógica plena da palavra em linhas que flutuam e se perdem entre a luz. Como quando se fixa o olhar nas chamas do fogo. Assim Cendrars descreve seu poema “(…) uma experiência única em simultaneidade, escrita em cores contrastantes a fim de levar o olho a ler de um só golpe de vista o conjunto do poema”


17
Mar 08

Cartografia IV

“Eis agora a questão fundamental de qualquer atlas: de que é que se deve traçar um mapa? Resposta evidente: dos seres, dos corpos, das coisas… que não conseguimos conceber de outro modo. Porque é que, com efeito, nunca desenhamos as órbitas dos planetas, por exemplo? Uma lei universal prevê as suas posições: de que é que nos serviria um roteiro neste caso de movimentos e situações previsíveis? Basta deduzi-los da lei. Pelo contrário, não há qualquer regra que prescreva o recorte dos rios, o relevo das paisagens, a planta da aldeia onde nascemos, o perfil do nariz ou a impressão digital do polegar…Aí estão singularidades, identidades e indivíduos, infinitamente afastados de qualquer lei.” (Michel Serres. Atlas)


16
Feb 08

Diferença e repetição


Cartografia, Rogério Camara, 2004


14
Feb 08

Cartografia III

Lima Barreto, num conto intitulado “Como o ‘homem’ chegou” em cuja epígrafe transcreve a singela frase de Nietzsche “Deus está morto; a sua piedade pelos homens matou-o”, relata a prisão de um louco pacato, “lá dos confins de Manaus, que tinha a mania da Astronomia e abandonara, não de todo, mas quase totalmente, a terra pelo céu inacessível.” A prisão se deu para dar destino aos regulamentos policiais que “não encontravam emprego” em uma delegacia de “movimento desusado” em “circunscrição” por demais pacata e ordeira.

Quando o delegado, sediado no Rio de Janeiro, recebeu as ordens para que fosse buscá-lo, argumentou que era muito longe. A isto o inspetor retrucou que já se havia verificado a distância no mapa “e era bem reduzida: obra de palmo e meio.” E, assim foi, em distância medida por palmo e polegadas, o carro-forte puxado por um burro “abalando o calçamento, a chocalhar ferragens, a trovejar pelas ruas afora em busca de um inofensivo.” No carro-forte ia, além do cocheiro, um certo doutor Barrado esforçado “por parecer inteligente”, dando a tudo caráter científico.

No fim de quatro anos e doze polegadas da cartografia que se desdobraram em um infinito número de quilômetros, “o carrião entrou pelo Rio adentro, a roncar pelas calçadas, chocalhando duramente as ferragens, com o seu manco e compassivo burro a manquejar-lhe à sirga”. Do ‘Homem’, que não fora no trajeto alimentado, pois os agentes não tinham com segurança uma norma de proceder, chegou o esqueleto.

A instituição cumpriu assim, religiosamente, a fria letra da lei. Do mesmo modo que comprrendeu o mundo codificado pela cartografia.


13
Feb 08

Cartografia II

No alto à esquerda mapa do metrô de Londres utilizado na década de 20.
Acima à direita primeiro desenho realizado por Harry Beck em 1913.
Abaixo o mapa aprovado em 1933.

Nos comentários feitos no post anterior surgiu a comparação entre o mapa proposto inicialmente com o mapa do metrô de Londres e, como denunciou Ricardo Gomes, a relação não era tão cabível. Ilustro aqui o mapa do metrô embora ele já tenha sido exaustivamente reproduzido e estudado em diversas publicações de design.

O mapa expressa a face estética do modernismo quando vinculada ao caráter industrial/urbano que se evidenciava na época. No século XIX assiste-se ao advento da formação das grandes cidades e a humanidade entra no século XX marcada pelo signo das metrópoles. Em Londres e Paris multidões moviam-se sob a superfície da cidade. Submergiam em um ponto e saiam em outro. Entre os pontos o percurso sob a vida frenética da cidade, num túnel negro iluminado, sentados, em inércia, um cidadão frente ao outro olhando através.

Publicidades do metrô de Londres utilizavam-se de expressões como “centro nervoso, força”. Em um dos cartazes, representa-se um punho e a eletricidade correndo nas veias. Foi a partir de códigos usados em plantas de circuito elétrico que o Engenheiro-projetista Harry Beck desenvolveu um novo mapa para o metrô de Londres em 1913 que, não tendo sido aceito na época, só viria a ser aproveitado em 1933. O desenho utiliza somente linhas verticais, horizontais e diagonais com os ramais diferenciados por cores. Ignora as posições geográficas exatas em prol da eficiência comunicativa. O centro de Londres foi ampliado para que fosse reproduzido com clareza todas as suas linhas e estações, enquanto as zonas periféricas aparecem reduzidas e com as estações eqüidistantes. Mesmo o rio Tamisa, única referência geográfica de superfície presente no mapa, tem o seu percurso rigorosamente representado em linhas paralelas aos ramais. A partir de 1913, Beck dedicou vinte e nove anos ao mapa, simplificando-o até que pudesse compreender todas as extensões do metrô no formato de uma carteira de identidade, legível nas partes e no todo “a um só golpe de vista.”