30
Apr 08

O mundo do gozo

Assistimos nos anos noventa à reformulação de diversas marcas de instituições bancárias. Já comentamos aqui a respeito da nova marca da Vale. Falávamos que hoje a concepção do símbolo de uma empresa não procura necessariamente relacionar-se ao objeto ou ao produto. Não se trata mais de dizer o produto, mas fazer o símbolo fluir no universo do consumidor. Seus significados podem em algum momento congelar-se e em outro dispersar-se, passar de uma forma a outra, por negações e associações. Formas esvaziadas que aspiram a ser. Relações de imagens que inspiram o devir do consumidor. Sintaxe relacional: ideografias.

Antes, no caso dos bancos e instituições financeiras em geral, convivíamos com marcas que nos passavam a idéia de que o nosso dinheiro estava bem guardado em algum cofre inviolável. Algo físico e sólido como o cofre do Tio Patinhas. Precisávamos guardar para garantir nosso futuro, a lógica do mundo da poupança. A marcas seguiam esse pressuposto: o logotipo sólido, com serifas pesadas como a do Bradesco, o preto e laranja (cores de segurança) do Itaú, as imagens de correntes das seguradoras, etc.

Hoje vivemos no mundo do crédito, goza-se hoje e paga-se quando puder. As marcas destas instituições passam a estar associadas ao prazer imediato e cotidiano. Sugerem que ninguém precisa se ocupar do dinheiro. O banco é o seu banco. O banco é você, seu nome está na marca, o objetivo é preencher o seu universo, seu dia a dia feliz com amigos ou com sua família. Faz-se acreditar que há uma entidade abstrata que o protege, com um pedaço de plástico tudo podemos. Observem a leveza do logotipo atual do Bradesco e seu símbolo que num instante protege seu filho alegre num balanço e em outro garante o mundo de qualquer dano. Em empresas de crédito como o Mastercard a operação é clara. Por sobreposições o símbolo – intercessão de dois círculos, representado de forma semelhante a um gráfico escolar de conjuntos, a priori vazios e sem sentido – é associado a outras imagens, inscrevendo o ideal de liberdade e prazer. A forma esvaziada de significados deixa-se associar a qualquer contexto mundano. O status do ato de consumir: duas barracas de praia, duas bolas de sorvete, um par de pés pro alto vestidos confortavelmente com sandálias, duas cabeças que se tocam.

Não se trata mais de um sistema de identidade visual, no sentido de pré-determinar o uso da marca e as regras estritas de inscrição, mas sua inserção no cotidiano e no inconsciente.


23
Jan 08

E logo a Vale!

Embora já amplamente discutida a questão da nova marca da Vale gostaria de tecer algumas observações a respeito. Muito se falou sobre a grande semelhança gráfica entre os símbolos da Viteli (uma fábrica de calçados do interior de São Paulo) e da Vale (uma gigantesca empresa de mineração). Notou-se também a coincidência ente as cores do Banco Real e da nova marca da Vale, projetos estes, aliás, desenvolvidos pelo mesmo escritório. Plágio? Agentes da Viteli ameaçam processar a Vale alegando justamente isso. Intenção que, penso eu, eles não levarão adiante. Apenas aproveitam a grande oportunidade de se veicularem na mídia, fato que até então estava fora do alcance da marca. Com isso, temos a oportunidade de assistir defesas constrangidas dos representantes da Vale e, nos divertir com elas.

Mas não se trata de plágio, acredito que os idealizadores da identidade visual da Vale nem conhecessem a marca da Viteli e nem mesmo estão obrigados a isso. O problema é outro.

Hoje a concepção do símbolo de uma empresa não procura necessariamente relacionar-se ao objeto ou ao seu produto. Não se trata mais de dizer o produto, mas fazer o símbolo fluir no universo do consumidor. Para tanto, define-se a marca a partir de um discurso que deve ganhar poder de convencimento através da mídia. Até ai tudo bem! O problema é que não se particulariza os discursos. Eles não são nem mesmo problematizados, adota-se o que já está pautado pela própria mídia. Ela já nos diz como pensar ou o que dizer. Vide os manuais de procedimentos e/ou auto-ajuda que assolam as livrarias. A pretexto de auxilio à vida tudo é sintetizado a dez mandamentos e a sete pecados. E, proceda!

Voltemos ao caso da Vale. O caráter gráfico de sua antiga marca respondia ao que ela produzia e vendia. Houve um tempo em que empresas como a Vale orgulhavam-se de sua atividade e seu porte. Indústrias eram elementos centrais nas cidades e, se fosse possível, postavam-se ao lado da catedral. Hoje as cidades fundam-se nos serviços. Deste modo as indústrias devem desaparecer dos grandes centros e fazer-se aparecer pelos serviços que presta a comunidade através de ações tidas como “politicamente corretas”. O que, pelo discurso em pauta, implica no caráter ecológico e na tutela da cultura. Daí então o novo símbolo da mineradora: a redução do nome pela inicial contendo o verde vale. A mineradora representa em seu símbolo aquilo que ela devora, caso irônico de forma-conteúdo.

A marca, pelos novos preceitos, não deve revelar a atividade produtiva das empresas, sua real ação sobre o mundo. A função das imagens produzidas hoje é velar o acesso direto ao mundo e nos induzir, sem crítica, a consumir um discurso publicitário. Na verdade não se opera por imagens, elas até nos faltam, mas por clichês. O indubitável discurso é que faz com que uma mineradora tenha a mesma face gráfica de uma fábrica de sapatos e as cores de um banco. Vale rever!