Atraindo voyeuristicamente o passante, os objetos expostos na vitrine são desfrutados a distância, perversamente.
As vitrines são um dos elementos de maior poder de sedução no espaço urbano. O produto ali exposto surge num espaço virtual quase metafísico, que os deixa em posição intermediária, nem dentro da loja nem na rua. Entre o objeto e a rua uma parede invisível, o vidro. Translúcido, como fosse uma barreira de ar congelado, o vidro permite ver o objeto, mas não tocá-lo. A vitrine fascina e seduz. Castrados pela impossibilidade momentânea de efetivar a posse, dá-se o impasse descrito em nota por Marcel Duchamp.
“A questão das vitrines. Submeter-se à interrogação das vitrines. A exigência das vitrines. A prova da vitrine da existência do mundo exterior. Quando alguém se submete ao exame da vitrine, este alguém pronuncia também sua própria sentença. De fato, a escolha desse alguém é uma viagem de ida e volta. Das exigências da vitrine, da inevitável resposta às vitrines, minha escolha é determinada. Nenhuma teimosia, ab absurdo, em esconder o coito através do painel de vidro com um ou vários objetos da vitrine. A pena consiste em cortar o painel e sentir remorso tão logo a possessão é consumada.”
À vitrine, como à publicidade, só interessa quando se age num primeiro impulso, sem que os anseios sejam saciados. Procura-se, como estratégia, manter-se sempre o desejo de consumo e a frustração.
Em caso comum, a frente da loja é ocupada na maior parte pela vitrine e a entrada é mantida fechada por uma porta de vidro. Evita-se que a parte interna da loja fique devassada, a barreira é proposital e espera ser rompida. Com a luz do dia a arquitetura e o movimento da rua refletem sobre o vidro, que parece engolfar o espaço. Deslocando-se diante da vitrine tem-se a sensação que o objeto também se move ocupando planos diferentes. À noite, com pouca luz, tem-se a pupila dilatada e conseqüentemente a visão das coisas desfocada. A vitrine iluminada possibilita recuperar o foco justamente ao se olhar o objeto exposto, que nítido, ganha aura.
No poema “Vitrina” Guilherme de Almeida escreveu:
A mocinha parou um instante
Junto do alto cristal da vitrina
Namorando um “soutien” fascinante
E umas pernas de seda franzina.
E não viu o automóvel brilhante
Que dobrou silencioso uma esquina
E parou atrás dela um instante.
Nem ouviu o que disse a buzina
Namorando um “soutien” fascinante
E umas pernas de seda franzina
Enguiçados e extáticos diante
Daquele alto cristal de vitrina.