27
Sep 08

A Biblioteca Nacional em Brasília

Rogerio Camara, Brasília, setembro de 2008


Integra o novo Conjunto Cultural da República, recentemente construído no Eixo Monumental em Brasília, uma Biblioteca intitulada Nacional. Sobre a possível constituição de seu acervo já se especulou muitas coisas, inclusive a transferência integral do acervo da velha Biblioteca Nacional do Rio.A naturalidade da ação derivaria do fato do Rio não ser mais capital, portanto uma Biblioteca Nacional não caberia por essas terras. Algo que pode parecer lógico para uma trupe que nos impõe a construção de um prédio público sem função e destino. A transferência do acervo obviamente não decolou.

O conjunto, que além da Biblioteca conta com um Museu também Nacional, foi viabilizado no governo Roriz sob o pretexto de concluir a construção da cidade. Como se uma cidade pudesse ser concluída antes de sua morte. Brasília seria então nascida do desejo de um presidente, criada pelo ímpeto de um arquiteto e finalizada pelo desvario de um governador. Pressupõe-se que seus habitantes nada têm a dizer e não se inscrevem naquela cidade.

Tive oportunidade de conhecer a Biblioteca no início deste mês quando convidado a participar da exposição OBRANOME II no Museu Nacional, que compõe o mesmo núcleo cultural.

Fui até a Biblioteca para ver uma exposição com poemas de Reynaldo Jardim integrante da Iª Bienal Internacional de Poesia de Brasília. A exposição ocorria no 3º andar o único com algum evento (somente a exposição) e pessoas (alunos de escola pública, imputados a preencher eventos culturais, que passeavam no elevador). Os outros andares (são quatro) estavam totalmente vazios. Um funcionário na portaria justificou dizendo que o prédio “ainda não pegou” (??!!). Discute-se agora a possibilidade da Biblioteca se constituir como virtual. Que bom, poderemos ficar em casa ou além.


28
Jul 08

O que faz juntar formigas? Medida de dissolução.


Uma especulação sem dados: não tem muito tempo Luiz Paulo Conde quando era prefeito da cidade do Rio de Janeiro, tomou a iniciativa, com o pretexto de zelar pela boa imagem da cidade, de eliminar certas concentrações de pessoas que considerava indesejadas. Ele queria nos fazer crer que todos os casos deveriam ser resolvidos democraticamente com o uso da lei, sem imposição da força policial.
Em um dos casos, grupos de Pitboys reuniam-se freqüentemente à noite nos finais de semana em frente às lojas de conveniência nos postos de gasolina. Os grupos ali se encontravam e se preparavam para a noite exibindo seus corpos sob a intensa e difusa luz fria, enquanto consumiam um coquetel de energizante, cerveja e gasolina.
A medida de dissolução? Quebra de consistência – a retirada de um dos elementos da composição. O legalmente viável? A proibição de venda de cerveja em postos de gasolina. O argumento ao público? Incompatibilidade entre os elementos álcool e direção. O imperativo publicitário? Se beber não dirija, se dirigir não beba.
A medida mostrou-se (relativamente) eficiente até a primeira liminar.


29
Jun 08

Vitrines

Atraindo voyeuristicamente o passante, os objetos expostos na vitrine são desfrutados a distância, perversamente.
As vitrines são um dos elementos de maior poder de sedução no espaço urbano. O produto ali exposto surge num espaço virtual quase metafísico, que os deixa em posição intermediária, nem dentro da loja nem na rua. Entre o objeto e a rua uma parede invisível, o vidro. Translúcido, como fosse uma barreira de ar congelado, o vidro permite ver o objeto, mas não tocá-lo. A vitrine fascina e seduz. Castrados pela impossibilidade momentânea de efetivar a posse, dá-se o impasse descrito em nota por Marcel Duchamp.


“A questão das vitrines. Submeter-se à interrogação das vitrines. A exigência das vitrines. A prova da vitrine da existência do mundo exterior. Quando alguém se submete ao exame da vitrine, este alguém pronuncia também sua própria sentença. De fato, a escolha desse alguém é uma viagem de ida e volta. Das exigências da vitrine, da inevitável resposta às vitrines, minha escolha é determinada. Nenhuma teimosia, ab absurdo, em esconder o coito através do painel de vidro com um ou vários objetos da vitrine. A pena consiste em cortar o painel e sentir remorso tão logo a possessão é consumada.”

À vitrine, como à publicidade, só interessa quando se age num primeiro impulso, sem que os anseios sejam saciados. Procura-se, como estratégia, manter-se sempre o desejo de consumo e a frustração.
Em caso comum, a frente da loja é ocupada na maior parte pela vitrine e a entrada é mantida fechada por uma porta de vidro. Evita-se que a parte interna da loja fique devassada, a barreira é proposital e espera ser rompida. Com a luz do dia a arquitetura e o movimento da rua refletem sobre o vidro, que parece engolfar o espaço. Deslocando-se diante da vitrine tem-se a sensação que o objeto também se move ocupando planos diferentes. À noite, com pouca luz, tem-se a pupila dilatada e conseqüentemente a visão das coisas desfocada. A vitrine iluminada possibilita recuperar o foco justamente ao se olhar o objeto exposto, que nítido, ganha aura.

No poema “Vitrina” Guilherme de Almeida escreveu:

A mocinha parou um instante

Junto do alto cristal da vitrina

Namorando um “soutien” fascinante

E umas pernas de seda franzina.

E não viu o automóvel brilhante

Que dobrou silencioso uma esquina

E parou atrás dela um instante.

Nem ouviu o que disse a buzina

Namorando um “soutien” fascinante

E umas pernas de seda franzina

Enguiçados e extáticos diante

Daquele alto cristal de vitrina.


14
Mar 08

a dura poesia concreta numa esquina de vitória

Giacomin, Rogério Camara, Vitória, ES, 2003

Emoldurada do céu que tende à grandeza do infinito e encarcerada entre postes, fios, gatos, alhos e bugalhos. Do ambulante que faz das laterais dessa parede sua vitrine. O vão evidente e o concreto aparente emprestando a forma mutável da reformável legis de uma inscrição urbana.

O que a antropogeografia mostra, são sucessivos desgastes de energias na busca de novos padrões. Formas ainda rígidas, de projetar, construir, organizar e vivificar a cidade.

Estabelece-se o fluxo, o afluxo. Dividem-se setores para atividades as mais diversas e avança-se na descoberta de novos materiais que não só revolucionam o processo de construção, como a cada momento transformam a maneira do empilhamento dessa massa supostamente amorfa que deveria dar vida, cor, movimento e geração de atividades em cadeia a essa urbe que, pensada dessa maneira, não passa da estabelecida e fria projeção de Mercator, onde linhas retas possuem intervalos fixos sem adaptatividade ou interferência. Talvez se possa arriscar, ignorantemente, a marcar tal teoria como uma vertente geratriz do discurso do fluxo, do entrever, do devir, da deriva e da virtualidade, dando, ao espectro criador, um sentido ilimitado de perpetuidade.

A cidade caminha e é adaptada pelo seu vivente. Esse objeto humano age, corrói, se aglomera, pratica a mercancia, trafica, mete medo, constrói entre, forma novas estruturas de abrigo e rompe como uma geóclase. Tudo o que não pode ser visto, mas que acaba comandando uma nova ordem de discurso social, compondo esse novo puzzle do inevitável que engolfa e recria a receita projetada sem o saber dos arquitetos, que se digladiam solitariamente a cada imposição de mudança.

Equação mais difícil e intricada, pois a cidade é essencialmente produtora de vazios. Já o ninguém, não produz vazios, nem silêncios. Ele forma a turgescência que faz pensar novamente a cidade, a textura da urbanicidade.