31
May 09

Praça da Soberania: versão 2

correio29_05_versao_01_02Comparação entre a primeira e segunda versão (Correio 29/05/2009)

correio_30_05Segunda versão da praça (Correio 30/05/2009)

Esta semana Oscar Niemeyer apresentou nova versão para o projeto da Praça Soberania. A versão anterior já havia sido discutido aqui. Desta vez Niemeyer reduziu o monumento pela metade (de 100m para 50m) e o deslocou do centro para preservar a visibilidade da Esplanada dos Ministérios. Em nova entrevista ao Correio Braziliense (29/05/2009) afirma que a praça “é bonita, é monumental” e que tem “o direito de fazê-la. Brasília não é só urbanismo, é também arquitetura.” Reforça “essa praça não tem discussão.” Esqueceu-se apenas de considerar que longe vai o tempo em que Brasília era uma cidade imaginada e determinada em planta baixa por um arquiteto. Existem hoje as pessoas de Brasília e estas, mesmo que o magnífico arquiteto as considere um estorvo por seus pensamentos individuais, afetam de alguma forma a cidade e são afetadas por ela e, sobretudo, cumprem o seu dia-a-dia na capital federal.


18
Feb 09

Niemeyer X Gropius

Por falar em Niemeyer, ele esteve recentemente em Brasília, embora argumentasse não ter o que fazer por aqui (talvez para justificar o passeio tenha apresentado a seguir o projeto da Praça da Soberania). Na viagem foi entrevistado pelo Correio Braziliense e revelou seus desafetos modernos.

“A Bauhaus, que é a turma mais imbecil que apareceu, chamava a arquitetura de a casa habitat.(Não interessava) a forma desde que o quarto estivesse perto do banheiro, a cozinha perto da sala e funcionasse bem. Foi um período de burrice que conseguimos vencer. A escola que eles construíram nunca ninguém pensou nela, porque não tem interesse nenhum, ninguém nunca ouviu falar. E o chefe do negócio, o Walter Gropius, era um babaca completo. Ele foi na minha casa nas Canoas, subiu comigo e disse a maior besteira que já ouvi: ‘Sua a casa é muito bonita, mas não é multiplicável’. Pensei que filho da puta! Para ser multiplicável teria que ser em terreno plano, teria que procurar um terreno igual e meu objetivo não era uma casa multiplicável, era uma casa boa para eu morar. Eles eram assim, sem brilho nenhum. O trabalho que ele deixou é um monte de casas que se repetem. Foi um momento que ameaçou a arquitetura, mas Le Corbusier e os outros reagiram. Foi um momento em que a burrice queria entrar na arquitetura, mas foi reprimida.” (Correio Braziliense 14/12/2008)

É verdade que ninguém tem que meter o bedelho na casa do outro, ainda mais quando se trata de arquitetos. Mas este é um típico refute de um arquiteto formalista-expressionista diante das observações de outro preocupado em determinar os progressos da vida social.


18
Feb 09

Praça da Soberania em Brasília

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Projeto da Praça da Soberania, Oscar Niemeyer, 2009

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Simulação de realização do projeto, Correio Braziliense, 2009

Em janeiro o arquiteto Oscar Niemeyer propôs para a cidade de Brasília um novo monumento a ser exposto na Esplanada dos Ministérios. Trata-se de uma solicitação do presidente Lula que resultou na praça da Soberania composta de uma escultura de 100m de altura (o congresso tem 92m)  e um Memorial dos Presidentes. A possibilidade da construção da obra resultou numa discussão sem precedentes  que não cabe detalhar aqui, pois está bem documentada na internet. Os artigos de Niemeyer dizem muito sobre um arquiteto que pensa o projeto como um deus a gerenciar a vida coletiva.  Projeta “desinteressado nas opiniões que surgem”1 segundo suas próprias palavras. As suas defesas apresentadas ao projeto são maniqueístas, arrogantes e num certo sentido contraditórias. Propõe mais uma grande área coberta de cimento inabitável e, no entanto, escreve:

“Os que contestam qualquer modificação em Brasília, se fossem mais curiosos e interessados no que ocorre neste velho planeta, saberiam que um dia — como os cientistas prevêem — as calotas polares poderão derreter mais rapidamente, elevando o nível dos oceanos a mais de dois metros. E aí, meus amigos, o que mais importa não é uma imposição como a que eu vinha comentando, mas a própria natureza a intervir em todas as áreas litorâneas, exigindo da arquitetura e do urbanismo as soluções indispensáveis.
“E vou mais longe. A degradação ambiental começa a se agravar, determinando um dia, quem sabe, que as grandes áreas abertas venham a ser arborizadas, e que as coberturas de concreto, previstas na maioria dos edifícios, sejam também transformadas em terraços-jardim cobertos de grama.
“E fico a refletir sobre o texto que acabo de escrever, certo de que a vida, o progresso humano e a própria ciência justificam as grandes modificações que a arquitetura e o urbanismo vêm propondo em toda a parte.”2

Meu interesse aqui não é ampliar a discussão em torno do projeto, pois esta já se esgotou no tempo e com o cancelamento de sua execução por iniciativa do próprio arquiteto. Afinal ele “mais do que qualquer um, estava em condições de propor essa praça” e, por sua vez retirar a proposta.

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Projeto de Burle Marx para Esplanado dos Ministérios publicado no Correio Braziliense 31/01/2009

Gostaria de chamar atençãopara o projeto desenvolvido, mas infelizmente não realizado, por Burle Marx.  Embora oportunamente resgatado pela jornalista Graça Ramos no Correio Braziliense (Caderno C – 31/01/09) o projeto nem ganhou repercussão nesta polêmica. Se a praça proposta por Niemeyer serviria de paisagem e exposição de poder, mas não como local de estada, convivência e passagem o parque de Burle Marx nos oportunizaria uma relação orgânica, plenamente habitável, com o espaço. O parque iria da Rodoviária ao congresso e conteria um grande lago que “em função da diferença de nível, seria dividido em pequenas barragens de onde a água desceria, para formar um verdadeiro véu e contribuir para melhorar sensivelmente o microclima do entorno. No último segmento, toda água excedente seria filtrada e aproveitada nas instalações do Congresso Nacional.”(KAMP, Renato. Burle Marx) Contaríamos com uma variada vegetação e gamas de cores e uma pista sinuosa pela qual poderíamos caminhar e andar de bicicleta tomando o cenário sobre diversas perspectivas. Quem já experimentou se deslocar da Rodoviária a um ministério sabe bem a diferença que este espaço faria.

Não tenho dados a respeito dos motivos que levaram a não execução do projeto de Burle Marx, mas é sabido dos atritos que ele tinha com Niemeyer que considerava a presença de árvores uma barreira a livre observação de sua arquitetura. Ao nosso maior arquiteto interessa a perspectiva dos prédios onde estão instaladas as instituições de poder, e privilegiar a sua “arquitetura simbólica”. Na perspectiva do Eixo Monumental, se perfilam os ministérios, lado a lado, antes encabeçado à direita pela catedral, que traduz em sua arquitetura um ato de união de mãos elevadas em saudação e, o Congresso que verticaliza-se no ponto de fuga desse grande corredor de poderes formando à frente dos diversos palácios,  o polo disseminador de decisões políticas irrefutáveis e irrecusáveis, atuando como o fiel da balança. Brasília é uma cidade sem áreas de convivência, sem esquinas, endurecida pela arquitetura, embora se vanglorie dos 100 m2 de área verde que possui por habitante. Essa falta de favorecimento do processo de sociabilização e de humanização dos meios, estabelece uma grande dificuldade do espaço Brasília se constituir como cidade. Seu projeto, enfim, peca por não considerar as transformações no processo evolutivo, sendo impermeável aos anseios de seus habitantes.


22
Dec 08

Vitória ES

Neste mês de dezembro deixei de morar em Vitória no Espírito do Santo, onde lecionei por 6 anos na Universidade Federal. Isto me remete, com alguma nostalgia, às primeiras impressões que tive desta cidade.
Minha primeira noite na cidade foi em um Hotel com vista para a praia de Camburi. Do lado esquerdo da praia se via, ao longe no horizonte, o porto de Tubarão, que fica em um dos extremos da estrada de ferro Vitória-Minas e nele os navios são carregados de pelotas de minério. Pelotas que são produzidas numa usina localizada na área do porto a partir do minério bruto que chega de Minas. No outro extremo da praia, do lado direito, uma pequena ilhota, na qual se encontra uma pequena casa.
Vi, assim, de um lado, um cenário próximo ao de uma cidade dos tempos da era industrial no qual se evidenciava o seu principal agente de emprego e produção: no caso a Companhia Vale do Rio Doce com chaminés e grandes navios. A fumaça vindo em nossa direção indicava o sentido do vento e, mais tarde pude observar a quantidade de minério que respirávamos. Uma espécie de ato de distribuição de renda da Vale. Minério para todos!
A ilhota no outro extremo representava, por sua vez, algum isolamento ou elo com um tempo mais longínquo, com se ali estivesse quieto o Robson Crusoe.
Vitória parece ser uma cidade compacta e portátil. Algo que poderia, a qualquer momento, ser carregada pelos imensos cargueiros que se agigantam na paisagem e se colocam a duas braçadas de distância. Do mesmo modo tive a impressão de poder dar um tapa nos aviões que passavam sob minha cabeça. O eco dos portos dia e noite no coração da cidade e o ronco das turbinas dos aviões me faziam imaginar uma cidade que se projetava sempre para além dela, desarraigada. Juntava-se a isso a dificuldade de encontrar na cidade pessoas que tenham nela nascido. Em seus mais de 460 anos Vitória parecia não ter gerado filhos. Talvez por esta sensação de desterro e de falta de identidade encontremos, como por reação, reiteradamente espraiada nas páginas dos jornais locais a palavra ‘capixaba’. O lugar que me parecia sem lugar reagia sempre afirmando o seu lugar.
A escala me permitiu transitar no tempo da bicicleta e do passo. Transformar caras em rostos. Ir da massa abstrata às pessoas.


27
Sep 08

A Biblioteca Nacional em Brasília

Rogerio Camara, Brasília, setembro de 2008


Integra o novo Conjunto Cultural da República, recentemente construído no Eixo Monumental em Brasília, uma Biblioteca intitulada Nacional. Sobre a possível constituição de seu acervo já se especulou muitas coisas, inclusive a transferência integral do acervo da velha Biblioteca Nacional do Rio.A naturalidade da ação derivaria do fato do Rio não ser mais capital, portanto uma Biblioteca Nacional não caberia por essas terras. Algo que pode parecer lógico para uma trupe que nos impõe a construção de um prédio público sem função e destino. A transferência do acervo obviamente não decolou.

O conjunto, que além da Biblioteca conta com um Museu também Nacional, foi viabilizado no governo Roriz sob o pretexto de concluir a construção da cidade. Como se uma cidade pudesse ser concluída antes de sua morte. Brasília seria então nascida do desejo de um presidente, criada pelo ímpeto de um arquiteto e finalizada pelo desvario de um governador. Pressupõe-se que seus habitantes nada têm a dizer e não se inscrevem naquela cidade.

Tive oportunidade de conhecer a Biblioteca no início deste mês quando convidado a participar da exposição OBRANOME II no Museu Nacional, que compõe o mesmo núcleo cultural.

Fui até a Biblioteca para ver uma exposição com poemas de Reynaldo Jardim integrante da Iª Bienal Internacional de Poesia de Brasília. A exposição ocorria no 3º andar o único com algum evento (somente a exposição) e pessoas (alunos de escola pública, imputados a preencher eventos culturais, que passeavam no elevador). Os outros andares (são quatro) estavam totalmente vazios. Um funcionário na portaria justificou dizendo que o prédio “ainda não pegou” (??!!). Discute-se agora a possibilidade da Biblioteca se constituir como virtual. Que bom, poderemos ficar em casa ou além.